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terça-feira, 21 de maio de 2013

À luz da psicologia


Resenha do filme: Como uma estrela na terra



O filme em todo seu movimento caminha pela disparidade, pelo contraste entre o egocentrismo e o altruísmo, entre os que não acreditam que o amor pode salvar uma história e um professor de artes, que não tem medo de mostrar que a felicidade é passaporte para o sucesso sim, a depender da visão que temos de vencedores.
O diferente é personagem principal da trama, não falo do garoto Ishaan que não conseguia ler e escrever aos 9 anos, não falo do seu colega de classe que não conseguia andar direito, nem tampouco das crianças com alguma deficiência que eram ensinadas em uma escola especial.  Refiro-me ao professor Ram Shankar,  o qual,  sai da sua zona de conforto e olha sem pressa para o menino, que vê além do que é mostrado, não se contenta com a margem e busca mares mais profundos. Presta a atenção no não-dito, no que é apenas olhar que clama por ajuda, sem que a boca nada consiga dizer. Escuta somente pelo prazer de aliviar a dor do outro, e por mais que esse outro não fale tem a sensibilidade para enxergar o avesso.
Há uma diferença entre deixar alguém ser e aprisionar uma alma. O que os pais de Ishaan não entendiam era que ele queria voar, os muitos pássaros que ele admirava, ao percorrer as ruas, mostravam ao garoto que o céu podia ser alcançado. Mas como, se ele estava preso pelas próprias inaptidões? Ele falava pouco, mal dizia se queria bolo ou torrada no café da manhã, também não conseguia dizer o que o incapacitava. Seu pai não o compreendia, sua mãe o aceitava com alguma compaixão e por vezes, tentou ensinar-lhe o que de nenhuma forma aprendeu. Cometia os mesmos erros e isso parecia uma afronta. Quem nunca se deparou com alguém que por mais que tentássemos ajudar ele sempre voltava e pedia perdão pelo mesmo erro? Que tipo de revolta nos causa então, quando esse alguém nem sabe pedir desculpas pelo que cometeu, se é que se vê como inconveniente?
Para os pais do garoto seus erros eram inadmissíveis, sua imaginação ignorada e sua criatividade deixada de lado, tudo isso em prol de um futuro promissor. Ou vai me dizer que para competir nesse mundo de gente perfeita também não temos que ser completos em tudo? Como o irmão mais velho de Ishaan, que era o exemplo de aluno disciplinado.
Se nos cômodos aconchegantes de seu lar ele não podia esperar que seu silêncio fosse compreendido, que dirá nos muros da escola que para ele eram mais que uma prisão?! Ali as palavras eram pré-requisitos para permanecer e o que não fosse leitura e escrita impecáveis, era jogado no lixo da ignorância.
 Os freqüentes castigos nos corredores da instituição, que prometeu dar-lhe a disciplina almejada por todos, mostravam a deficiência do modelo de  “ensino bancário”, termo usado por Paulo Freire para designar o padrão de educação que tenta a qualquer custo transferir para o aluno todo o conhecimento do professor, de forma totalmente linear e autoritária. Tudo que a escola aspirava de seus alunos era o que Ishaan não podia condescender: aluno que se adéqüe aos moldes sociais, robôs em miniatura, crianças aprisionadas pela regra e pelo conformismo. Palmatória na mão e nos olhos o medo de errar. Suas dificuldades de aprender não podiam ter outra causa senão sua desobediência e seu desconforto pelas cadeiras da sala de aula. Repetiu a 3ª série e foi negada sua continuação na escola, foi de certo modo, expulso de sua própria casa.
Qualquer observador atento veria em seus olhos o brilho que expressava ao caminhar pelas ruas da cidade, tão conturbada. O aprendizado que ele, muito mais que na escola, conseguia assimilar. Em tudo ele via algo que o encantava. Tinha feições de gente que não naturalizava a visão das coisas. A sua alegria assemelhava-se ao regozijo de um bebê, se percebesse, à hora do parto, seu nascimento, tudo lhe era novo e peculiar.
Somente depois de desistir de aprender, de abdicar até mesmo do que  lhe era mais caro: desenhar e pintar, é que pôde renascer como fênix, das cinzas da sua suposta incapacidade de ser “normal”. Após constatar que não nascera para as letras e que por mais que tentasse, não conseguiria ser um aluno aplicado (aos moldes da autoritária escola), é que pôde ser olhado de um jeito novo. Alguém prestou a atenção na sua melancolia. O educador Ram Shankar, trouxe arte para uma vida que estava imersa no preto e branco.
Lembro do que pensei quando vi a cena de Ram vestido de palhaço, dançando na sala de aula, da vivacidade que vi nos olhos dos alunos, pensei que só poderia ser um sonho. Não era. E isso foi constatado, quando passada a música que os embalava e a dança que me envolvia, o professor solicitou que os alunos desenhassem o que lhes surgisse na mente. Na mesa de Ishaan o vazio que há tantos anos estava presente nos seus dias.       
“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, foi assim para Ishaan, somente depois de saber a causa de sua inadaptação à leitura e escrita  é que pôde se emancipar das amarras invisíveis que o impediam de voar alto. Ir ao encontro do outro quando ele está incapacitado de ajudar-se sozinho, até mesmo quando ele nem sabe do que ocorre dentro e fora de si, foi isso que Ram fez, foi ao encontro dos pais do garoto e contou-lhes a “sentença de morte”, seu filho tinha indícios de dislexia. “Como assim meu filho é anormal?”. A partir do choque e da freqüente pergunta: “Por que nosso filho?”. É que a aceitação vai sendo delineada aos poucos.
 Segundo a International Dyslexia Association - Comitê de Abril / 1994  apud Mico, (2004) a dislexia:

É um distúrbio de aprendizagem, sendo o mesmo, específico da linguagem, caracterizado pela dificuldade em decodificar palavras simples, mostrando uma insuficiência no processo fonológico.

A criança sozinha não é responsável pelo seu “insucesso” escolar, pois a aprendizagem caracteriza-se por uma relação bilateral, tanto da pessoa que ensina, como da que aprende. (Ercolini, 2008). É preciso saber as causas do não aprendizado do aluno, no entanto, mais do que um diagnóstico o aluno precisa de acolhimento, de afeição. A análise por si só não transforma a realidade, é preciso, segundo Ercolini, usar estratégias para melhorar essa relação de ensino-aprendizagem independente de um diagnóstico de dislexia.
Foi isso que Ram fez, usou estratégias de aprendizado para o garoto e não se prendeu ao que ele não podia, mas potencializou as suas capacidades. O talento de Ishaan era evidente para a pintura e o professor soube usar de forma muito criativa a sua habilidade  propondo um concurso de pintura, isso nos remete à teoria das inteligências múltiplas, na qual a inteligência pode ser expressa de outras formas, que não a convencional. Todo o tempo o professor de artes estava ao seu lado, disponível para adequar o ensino ao garoto, o que falta em muitas de nossas escolas é essa disponibilidade para incluir, para se doar e assumir o compromisso de educar com qualidade independente das dificuldades apresentadas pelo aluno.
O olhar de Ishaan em alguns momentos era de resignação e em outros de revolta, ele não entendia as causas do seu não-aprendizado. Com certeza sentia-se culpado por ser “tão burro”. Não tinha alegria que é própria da infância, tinha apenas um choro contido e uma feição de derrotado. Sua auto-estima estava baixa, pois era vítima de risos, piadas maldosas e castigos constantes. Não tinha forças nem mesmo para se arrumar sozinho, não tinha energia para levantar-se para ir à escola, pois sabia que lá era seu calvário. Somente após entender o que se passava com ele, a partir de uma historinha contada pelo professor em que grandes pensadores de nossa história foram citados como dislexos, é que um sorriso foi visto em seu rostinho de criança e uma certeza em seu coração amargurado: eu posso ter esperanças!
É isso que Gonçalves nos esclarece, ao dizer que somente após saber o real significado do que acontece consigo, é que a criança sente um grande alívio, pois não se vê mais como “culpada” por não aprender. É como se tirasse o mundo das costas. A avaliação (neuropsicológica, psicopedagógica e fonoaudiológica) também é importante e auxiliará no desenvolvimento da criança, na medida em que proporcionará um maior esclarecimento das estratégias a serem usadas com a criança, para que ela possa aprender da forma que lhe é possível.  Igualmente o acompanhamento se faz muito importante para que a criança, não apenas os pais, possam entender e perceber-se como agente do seu aprendizado, ter uma melhor percepção de suas competências,  tendo em vista a melhora na sua auto-estima, bem como saber organizar estratégias de estudo, resolver problemas e enfrentar dificuldades referentes ao aprendizado, isso, através dos mais diferentes recursos. O apoio da família é fundamental, e somente quando os pais de Ishaan souberam aceitar e entender as capacidades diferenciadas de seu filho é que algo novo pôde ser construído, um novo relacionamento familiar baseado na confiança mútua e no amor, que apesar de estar presente em cada um deles, não manifestava-se plenamente pela não compreensão da realidade que os envolvia.

O enfrentamento dessa questão pelo psicólogo, em uma instituição de ensino, está além de seu conhecimento teórico, perpassa antes de tudo pela sua sensibilidade, exige uma empatia para perceber o sofrimento do outro, uma escuta apurada e um olhar diferenciado para enxergar as potencialidades de cada um e não somente suas limitações.
Como citou Gonçalves (2012):

“A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido que, para alguém que não conheça, parecerá que não pode competir com os grãos normais, graúdos. No entanto, aqueles grãos duros, quebra-dentes, após passarem pelo poder do fogo, transformam-se em pipoca macia”.
                       (Rubem Alves- O amor que acende a Lua)

É um esforço constante para ver o milho tão mirrado transformar-se em pipoca, ver o que não tinha beleza, transformar-se em pipoca macia. Ishaan era esse milho que precisava apenas de alguém que acreditasse que ele podia ser uma pipoca graúda.
O profissional de psicologia, precisa ser esse agente de mudanças, alguém que irá  escutar  os pais, alunos, professores para desenvolver estratégias que realmente se adéqüem as necessidades do estudante,  assim através do apoio incondicional da escola e da família e de outros profissionais ( fonoaudiólogos, psicopedagogos, educadores, médicos, etc) é que se poderá oferecer a esse educando condições para ultrapassar os obstáculos apresentados em seu percurso escolar. É importante também favorecer o autoconhecimento desse aluno, pois somente a partir disso ele aprenderá melhor e poderá ser melhor ajudado.
Em suma, o enfrentamento de tal situação no contexto escolar não pode partir de ações isoladas do psicólogo, mas precisa pautar-se em um conjunto de medidas que partam de diferentes profissionais. E o professor, que acreditou até o fim na capacidade do garoto, pode ser um exemplo a ser seguido, pelo profissional de psicologia, e não só por ele, mas por todos os envolvidos nessa conjuntura. É preciso acreditar no próprio trabalho, acreditar na criança e ajudá-la a acreditar em si mesma e isso não é simples, pois o diferente (nadar contra a correnteza) nem sempre é compreendido, é mais atraente acomodar-se. Muitas vezes as mudanças não são bem-vindas, assim fica fácil engrossar a fila dos que julgam, difícil é juntar-se à ala dos que são julgados.

"Eu sei que não terei sucesso. Tentar forçar os Resultados somente  aumentaria  a  confusão.  Não será melhor desistir e parar de me esforçar? Mas, se eu não me esforçar, quem o fará?"
                                                                                    (Chuang-Tzu )





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