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sábado, 25 de janeiro de 2014

Autobiografia



         O lugar em que estava era calmo, as folhas das árvores faziam movimentos de acordo com o vento que as agitava. A relva era um convite para o descanso e a sombra das folhagens oferecia uma brisa aconchegante. Contemplava o azul claro que se apresentava naquele dia, esplêndido. Quando ao longe vi que alguém corria ao meu encontro, por mais que tentasse, não conseguia decifrar a sua fisionomia. Cada vez mais ela se aproximava e comecei a perceber uma familiaridade nos seus gestos. Até que chegou perto, e então notei que aquela criatura, possuía a minha face de criança, estampada em seu rosto.

   Não dissemos palavra, eu só conseguia olhar. A emoção de se perceber na infância é indescritível... Aquela criança à minha frente apenas sorria e era muito bom sentir-se aceita daquela forma. Ela inclinou-se à minha direção e pegou na minha mão. Nesse instante como uma mágica fantástica, saímos a voar... Eu mantinha os meus olhos fechados, pois tinha medo de altura, entretanto, percebi que ela se divertia entre risadinhas e pedidos para que eu curtisse a aventura. Então tomei coragem e abri os olhos. Nossa! Era uma experiência maravilhosa, os cenários e paisagens mudavam constantemente.
     Ela falou ao meu ouvido que me levaria a lugares que me trariam recordações. E sem que eu esperasse muito, logo reconheci a casa da minha avó onde passei parte da minha infância. Descemos por um momento e entrei na casa. Vi os cômodos antigos, senti o cheiro da canjica que ela mexia ao fogo, minha irmã sentada ao chão da grande área, na qual brincávamos o dia inteiro de boneca, o quintal repleto de plantas onde corria sem preocupações, e também retirava goiabas da grande árvore que se localizava ao centro do terraço. Ao pé do portão da frente, contemplei toda a rua, em que brinquei de queimada, amarelinha e me escondia ao som da voz que contava de 1 a 10.
    Fui informada que precisávamos ir... Segurei forte em suas delicadas mãos. Apesar de sua pequenez, sentia-me protegida. Notei que estávamos acima de um prédio para mim inesquecível. Novamente paramos na calçada e ao levantar a cabeça vi a fachada que dizia: Jardim Escola Mistério do Saber, sem dúvidas era o lugar onde descobri as primeiras letras. Ali aprendi além do alfabeto, a superar os medos que se me apresentavam gigantes. O nome da escola que aprendi letra por letra a ler, foi mais que um nome, era um prelúdio de que toda a minha vida procuraria desvendar os mistérios do conhecimento.  Caminhei para dentro e percorri corredores, salas e pátio. Em cada ambiente vazio enxergava crianças que corriam suadas e coradas pelo calor, brincadeiras infindáveis que inventávamos. Gritos e o sinal que tocava para o recolhimento. No primeiro dia de aula senti o cheiro de crianças bem perfumadas para a estréia, cheiro de lanche da hora do recreio, e o choro desesperado de medo e desamparo. A cantina que só foi usada mais tarde, após a constatação de que não era mais apropriado levar o próprio lanche. Por um momento fechei os olhos para ver melhor, e ao abrir fui surpreendida pelo vôo acima do morro, no qual brincava nas sextas-feiras subindo e descendo na areia quente.
       A próxima parada foi na casa dos meus pais em que fui morar apenas no final da infância e adolescência. O lugar inicialmente desconhecido foi aos poucos se tornando familiar, e lá passava horas e horas conversando com os clientes do bar de propriedade do meu pai. Eles contavam histórias que naquela época não entendia. Contemplei a rua que percorria e a fuga de bois bravos que pastavam num campo, e que corriam atrás de nós ao atravessá-lo vez em quando. Lembro-me do dia em que nos mudamos de lá, foi triste. Os vizinhos todos olhavam para o caminhão que continha nossos pertences. Apenas deixávamos para trás as lembranças de um tempo bom. Não imaginava que nos mudaríamos ainda muitas vezes, após esse momento para que chegássemos ao lugar onde atualmente moramos.
      Ainda estava absorta em lembranças quando fomos embora novamente. Agora ela preveniu-me de que o passeio estava chegando ao final. O lugar escolhido foi a escola onde descobri que crescer não é tarefa fácil! Escola Estadual Lauro de Castro, onde cursei o ensino fundamental. Lá foi o lugar das descobertas, da primeira paquera, das primeiras decepções, da constatação de que a inocência ainda não havia se despedido. Onde os problemas pareciam bem maiores do que realmente eram. Caminhei pelo pátio, cenário de muitas conversas, pelas salas, cenário de aulas inesquecíveis.
     Não demorou para que, sem que percebesse, estivesse no ar novamente ao lado de pássaros em bando. Dessa vez percebi que era a reta final. Vi o prédio em formato de X, que reconheci ser a Escola Estadual do Atheneu. Entrei e ao atravessar o portão todas as recordações se materializaram. Vozes soavam, jovens corriam ansiosos, Passos ligeiros subiam as grandes escadas com olhos de expectativa. Lembro de ter sentido medo a primeira vez que vi a grandeza do lugar. Era tudo muito novo para mim. Certamente aquele lugar transbordava historicidade. Era um prédio antigo. Minha mãe havia estudado lá. E quando percorria os corredores enormes, lembrava que um dia os pés dela pisaram o mesmo chão. Fechei novamente os olhos para sentir o cheiro que emanava da biblioteca que tanto gostava.
          Um momento  mágico, daqueles que nunca se esquece, minha miniatura tão inocente e singela, fez-me sentir novamente, não sei como, o abraço da aprovação do tão sonhado vestibular. Tantas tentativas se concretizaram naquele abraço do meu pai, no olhar de alegria da minha irmã, no rosto de surpresa da minha mãe, foi maravilhoso saber que meus esforços foram recompensados. Nos muros do conhecimento, descobri e continuo descobrindo verdades dispensáveis e outras fundamentais. Lá encontrei também o amor e a razão da felicidade!
     De súbito abri os olhos e qual não foi a minha surpresa quando minha adorável companheira havia sumido. Ainda confusa só conseguia sorrir, porque sabia que a partir de lembranças tão doces, cheias de conquistas simples, porém repletas de significados, é que podia sentir-me mais forte para o que ainda estava por vir.
   
    

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