O lugar em que estava era calmo, as folhas das árvores faziam movimentos de
acordo com o vento que as agitava. A relva era um convite para o descanso e a
sombra das folhagens oferecia uma brisa aconchegante. Contemplava o azul claro que se apresentava naquele dia,
esplêndido. Quando ao longe vi que alguém corria ao meu encontro, por mais que
tentasse, não conseguia decifrar a sua fisionomia. Cada vez mais ela se
aproximava e comecei a perceber uma familiaridade nos seus gestos. Até que
chegou perto, e então notei que aquela criatura, possuía a minha face de
criança, estampada em seu rosto.
Não
dissemos palavra, eu só conseguia olhar. A emoção de se perceber na infância é
indescritível... Aquela criança à minha frente apenas sorria e era muito bom
sentir-se aceita daquela forma. Ela inclinou-se à minha direção e pegou na
minha mão. Nesse instante como uma mágica fantástica, saímos a voar... Eu
mantinha os meus olhos fechados, pois tinha medo de altura, entretanto, percebi
que ela se divertia entre risadinhas e pedidos para que eu curtisse a aventura.
Então tomei coragem e abri os olhos. Nossa! Era uma experiência maravilhosa, os
cenários e paisagens mudavam constantemente.
Ela falou ao meu ouvido que me levaria a lugares que me trariam recordações.
E sem que eu esperasse muito, logo reconheci a casa da minha avó onde passei
parte da minha infância. Descemos por um momento e entrei na casa. Vi os
cômodos antigos, senti o cheiro da canjica que ela mexia ao fogo, minha irmã
sentada ao chão da grande área, na qual brincávamos o dia inteiro de boneca, o
quintal repleto de plantas onde corria sem preocupações, e também retirava
goiabas da grande árvore que se localizava ao centro do terraço. Ao pé do
portão da frente, contemplei toda a rua, em que brinquei de queimada,
amarelinha e me escondia ao som da voz que contava de 1 a 10.
Fui
informada que precisávamos ir... Segurei forte em suas delicadas mãos. Apesar
de sua pequenez, sentia-me protegida. Notei que estávamos acima de um prédio
para mim inesquecível. Novamente paramos na calçada e ao levantar a cabeça vi a
fachada que dizia: Jardim Escola Mistério do Saber, sem dúvidas era o lugar onde
descobri as primeiras letras. Ali aprendi além do alfabeto, a superar os medos
que se me apresentavam gigantes. O nome da escola que aprendi letra por letra a
ler, foi mais que um nome, era um prelúdio de que toda a minha vida procuraria
desvendar os mistérios do conhecimento.
Caminhei para dentro e percorri corredores, salas e pátio. Em cada
ambiente vazio enxergava crianças que corriam suadas e coradas pelo calor,
brincadeiras infindáveis que inventávamos. Gritos e o sinal que tocava para o
recolhimento. No primeiro dia de aula senti o cheiro de crianças bem perfumadas
para a estréia, cheiro de lanche da hora do recreio, e o choro desesperado de
medo e desamparo. A cantina que só foi usada mais tarde, após a constatação de
que não era mais apropriado levar o próprio lanche. Por um momento fechei os
olhos para ver melhor, e ao abrir fui surpreendida pelo vôo acima do morro, no
qual brincava nas sextas-feiras subindo e descendo na areia quente.
A próxima parada foi na casa dos meus pais em que fui morar apenas no final da
infância e adolescência. O lugar inicialmente desconhecido foi aos poucos se
tornando familiar, e lá passava horas e horas conversando com os clientes do
bar de propriedade do meu pai. Eles contavam histórias que naquela época não
entendia. Contemplei a rua que percorria e a fuga de bois bravos que pastavam
num campo, e que corriam atrás de nós ao atravessá-lo vez em quando. Lembro-me
do dia em que nos mudamos de lá, foi triste. Os vizinhos todos olhavam para o
caminhão que continha nossos pertences. Apenas deixávamos para trás as
lembranças de um tempo bom. Não imaginava que nos mudaríamos ainda muitas vezes, após esse momento para que chegássemos ao lugar onde atualmente moramos.
Ainda
estava absorta em lembranças quando fomos embora novamente. Agora ela preveniu-me
de que o passeio estava chegando ao final. O lugar escolhido foi a escola onde
descobri que crescer não é tarefa fácil! Escola Estadual Lauro de Castro, onde
cursei o ensino fundamental. Lá foi o lugar das descobertas, da primeira
paquera, das primeiras decepções, da constatação de que a inocência ainda não
havia se despedido. Onde os problemas pareciam bem maiores do que realmente
eram. Caminhei pelo pátio, cenário de muitas conversas, pelas salas, cenário de
aulas inesquecíveis.
Não demorou para que, sem que percebesse,
estivesse no ar novamente ao lado de pássaros em bando. Dessa vez percebi que
era a reta final. Vi o prédio em formato de X, que reconheci ser a Escola
Estadual do Atheneu. Entrei e ao atravessar o portão todas as recordações se
materializaram. Vozes soavam, jovens corriam ansiosos, Passos ligeiros subiam
as grandes escadas com olhos de expectativa. Lembro de ter sentido medo a
primeira vez que vi a grandeza do lugar. Era tudo muito novo para mim.
Certamente aquele lugar transbordava historicidade. Era um prédio antigo. Minha
mãe havia estudado lá. E quando percorria os corredores enormes, lembrava que
um dia os pés dela pisaram o mesmo chão. Fechei novamente os olhos para sentir
o cheiro que emanava da biblioteca que tanto gostava.
Um momento mágico, daqueles que nunca se esquece, minha miniatura tão inocente e singela, fez-me sentir novamente, não sei como, o abraço da aprovação do tão sonhado vestibular. Tantas tentativas se concretizaram naquele abraço do meu pai, no olhar de alegria da minha irmã, no rosto de surpresa da minha mãe, foi maravilhoso saber que meus esforços foram recompensados. Nos muros do conhecimento, descobri e continuo descobrindo verdades dispensáveis e outras fundamentais. Lá encontrei também o amor e a razão da felicidade!
De súbito abri os olhos e qual não foi a
minha surpresa quando minha adorável companheira havia sumido. Ainda confusa só conseguia sorrir, porque sabia que a partir de lembranças tão doces, cheias de conquistas simples, porém repletas de significados, é que podia sentir-me mais forte para
o que ainda estava por vir.
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